STJ – Na “guerra fiscal” não se pode imputar a prática de crime contra a ordem tributária ao contribuinte que não se vale de artifícios fraudulentos com o fim de sonegar ICMS
Conforme a edição nº 99 da publicação do Jurisprudência em Teses do STJ (DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO – II), “No contexto da chamada guerra fiscal entre os estados federados, não se pode imputar a prática de crime contra a ordem tributária ao contribuinte que não se vale de artifícios fraudulentos com o fim de reduzir ou suprimir o pagamento dos tributos e que recolhe o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS segundo o princípio da não-cumulatividade”.
Confira algumas ementas:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I, DA LEI N. 8.137/1990). GUERRA FISCAL. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. ALEGAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DO LAPSO PRESCRICIONAL, POIS NÃO HOUVE A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SÚMULA VINCULANTE 24. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE SÓCIO. NECESSÁRIO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. CREDITAMENTO DO ICMS, EM RAZÃO DA DIFERENÇA DE ALÍQUOTA ENTRE OS ESTADOS DA FEDERAÇÃO. OPERAÇÃO QUE, POR SI SÓ, É INCAPAZ DE CONFIGURAR CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO ÂMBITO DO STF (RE N. 628.075/RS). CONFIGURAÇÃO DE, NO MÁXIMO, DÉBITO TRIBUTÁRIO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECONHECIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Busca o recurso: (i) o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal em relação a um dos sócios; (ii) a exclusão do polo passivo da investigação referente a outro sócio; (iii) o trancamento do inquérito policial; ou, subsidiariamente, (iv) a suspensão das investigações policiais até o julgamento de mérito do RE n. 628.075. 2. Não há como analisar a prescrição alegada, em razão da ausência de informações de eventual constituição do crédito tributário e do teor do enunciado na Súmula Vinculante 24: não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo. 3. Em relação à ilegitimidade do sócio para figurar como investigado, a via eleita não permite o profundo revolvimento dos fatos e das provas da ação penal, sob pena de desvirtuamento de sua função constitucional. Ademais, a aferição da legitimidade ou não de se figurar o polo passivo da ação penal é resultado intrínseco da instrução criminal, que se vier a findar e desaguar na exordial acusatória, indicará fundamentadamente os responsáveis pelo delito imputado. 4. É assente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o trancamento de ação penal ou de inquérito policial, na via eleita, constitui medida excepcional, somente admitida quando restar demonstrado, sem a necessidade de exame do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios suficientes da autoria ou prova da materialidade. 5. No caso, consta dos autos que os recorrentes estão sendo investigados pela suposta prática do delito tipificado no art. 1°, I, da Lei n. 8.137/1993, quando teriam sido autuados em 30/11/2009, pela empresa Cambuci, em razão de supostos créditos indevidos de ICMS, nos meses de novembro e de dezembro de 2004, em decorrência da não apresentação das notas fiscais emitidas pelo estabelecimento filial situado em Brasília/DF e escrituradas no livro de registro de entradas. 6. Como é cediço, o crime previsto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990 exige o elemento subjetivo doloso para a sua configuração, consistente na efetiva vontade de fraudar o fisco, mediante omissão ou declaração falsa às autoridades fazendárias, com o fim de suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social. 7. A hipótese dos autos retrata a situação da chamada “guerra fiscal” entre os entes federados, em que a concessão de benefício fiscal por um ente federativo ocorre sem amparo em convênio entre os Estados e o Distrito Federal, no âmbito do CONFAZ. 8. Nesse contexto, o creditamento de ICMS realizado pelo contribuinte, com base em benefício fiscal previsto em lei vigente, utilizando-se de lançamentos exatos, afasta o dolo necessário para a configuração do ilícito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, pois, nessa hipótese, não há falar em meio fraudulento para reduzir ou suprimir tributos. Precedentes. 9. Em casos tais, embora os fatos possam ensejar a condenação na esfera tributária e a imposição do pagamento de tributo, não se configura nenhum crime contra a ordem tributária, já que ausente o dolo do agente, que deixou de pagar o tributo com fundamento em benefício fiscal cuja legalidade deve ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, que, inclusive, já reconheceu a repercussão geral da matéria. 10. Assim, as operações supostamente realizadas não são capazes, por si sós, de configurar a prática de crime contra a ordem tributária, uma vez que, além de não se amoldarem à infração penal prevista no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, inexiste previsão legal de crime contra a ordem tributária que abranja a operação em questão, configurando, no máximo, a ocorrência de um débito tributário. 11. Recurso em habeas corpus provido para, reconhecendo a ausência de justa causa, trancar o andamento do Inquérito Policial n. 0044671-41.2012.8.26.0050. (RHC 93.168/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020)
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. RECOLHIMENTO DE ICMS EM OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. GUERRA FISCAL ENTRE ESTADOS FEDERADOS. LANÇAMENTO DE VALORES INEXATOS. GERAÇÃO DE CRÉDITO. DOLO. INÉPCIA DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP.CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos. Precedentes. 2. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a suposta ausência de elementos de informação a demonstrarem a materialidade e a autoria delitivas, exige profundo exame do contexto probatório dos autos, o que é inviável na via estreita do writ. Precedentes. 3. No caso, consta da peça inicial que os sócios, agindo com evidente dolo, suprimiram tributo e fraudaram a fiscalização tributária, creditando-se, indevidamente, de ICMS lançado na coluna “outros créditos” do Livro Registro de Apuração de ICMS, por ter sido apropriado em valor superior ao percentual de 11% sobre as operações interestaduais, ao “fabricarem” crédito do imposto para compensá-lo com o valor devido mensalmente, manipulando deliberadamente a escrituração fiscal (informando valor de crédito maior do que o real), de forma a obter mais crédito do que o permitido por lei e, assim, pagar a menos o valor do tributo (art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990: itens 2.1 e 2.4). 4. Segundo a denúncia, os sócio-administradores, com evidente dolo, suprimiram tributo e fraudaram a fiscalização tributária deixando de recolher ICMS nas prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal ao emitirem “conhecimentos de transporte” com destaque de imposto, omitindo-o, contudo, do valor de imposto no registro efetuado no Livro de Saída de Mercadorias. Para tanto, as notas fiscais relativas às operações foram anotadas na coluna “isentas e não tributadas” (sem débito de imposto), de modo que tal fraude gerou créditos para as empresas contratantes de serviços de transportes das mercadorias comercializadas pela empresa (art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990: item 2.2). 5. Relata, ainda, que os administradores, como ordenadores dos documentos fiscais e contábeis da sociedade e sujeitos passivos, agindo com evidente dolo, suprimiram tributo e fraudaram a fiscalização tributária, creditando-se indevidamente de ICMS na entrada de bens destinados ao ativo permanente do estabelecimento, em desconformidade com os ditames da lei de regência do referido imposto, ao fazê-lo em apenas uma parcela, quando deveria realizar em 48 vezes quanto ao creditamento feito no Estado do Espírito Santo do ICMS recolhido no estado de origem dos bens (art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990: item 2.3). 6. Destaca a denúncia que os administradores, agindo com evidente dolo, suprimiram tributo e fraudaram a fiscalização tributária ao deixarem de fornecer nota fiscal de saída, ou seja, relativa à venda de mercadorias, fatos constatados por meio das diferenças tributárias verificadas nos: (1) levantamentos de conta-mercadoria referentes a determinados exercícios (art. 1º, II e V, da Lei n. 8.137/1990: item 2.5); (2) acompanhamento físico da circulação de uma determinada mercadoria (produto), dentro de um determinado período prefixado, evidenciada a irregularidade do lançamento tributário (art. 1º, II e V, da Lei n. 8.137/1990: item 2.6). 7. Hipótese em que os administradores, agindo com evidente dolo, suprimiram tributo e fraudaram a fiscalização tributária ao deixarem de recolher ICMS, na forma e nos prazos regulamentares, devido em razão de operações por eles próprios declaradas no Documento de Informações Econômico Fiscais- DIEF (art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990: item 2.7). 8. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual, deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 9. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 10. Nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal” (RHC 47.193/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 17/5/2017). 11. Esta Corte Superior já decidiu que “a guerra fiscal entre os Estados não pode dar causa a persecução penal sem justa causa” (HC 4.307/SP, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, DJ de 26/5/1997). 12. A Quinta Turma desta Corte Superior entendeu que “não se pode imputar a prática de crime tributário ao contribuinte que recolhe o tributo em obediência ao princípio constitucional da não-cumulatividade, bem como mantém a fidelidade escritural dentro das normas (em princípio) válidas no âmbito dos respectivos entes da Federação” (EDcl no HC 196.262/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014). 13. Hipótese em que a inicial acusatória preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve detalhadamente os elementos essenciais das condutas dos réus, ora recorrentes, indicando tanto o inadimplemento do crédito tributário, como a fraude, para caracterizar a sonegação fiscal, nos termos dos arts. 1º, II e V, da Lei n. 8.137/1990, por diversas vezes, e 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, na forma do art. 69 do Código Penal, permitindo-lhes rechaçar os fundamentos acusatórios. 14. Recurso em habeas corpus não provido. (RHC 78.256/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017)
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME TRIBUTÁRIO. ART. 1º, II, DA LEI 8.137/1990. CREDITAMENTO DE ICMS. PEDIDO DE TRANCAMENTO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. GUERRA FISCAL. 2. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO, PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou prova da materialidade do delito. O crime previsto no art. 1º, inciso II, da Lei 8.137/1990 exige o elemento subjetivo doloso para a sua configuração, consistente na efetiva vontade de fraudar o fisco, mediante omissão ou declaração falsa às autoridades fazendárias, com o fim de suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social. E, na espécie, ressai dos autos que o paciente efetuou lançamentos exatos de crédito de ICMS, amparado Termo de Acordo de Regime Especial – TARE nº 001/2002 – SUREC/SEPF – Processo n. 00040.004880/2001 e 029/2004 – Processo 040.002.293.2004, do Distrito Federal, vigente ao tempo dos fatos, no contexto da chamada “guerra fiscal” entre o distrito federal e os estados federados, razão pela qual não há falar em dolo de fraudar o fisco. Precedentes. 2. Recurso em habeas corpus provido, para reconhecer a atipicidade da conduta imputada à recorrente na ação penal n. 0003167-95.2010.8.23.0318 e determinar o seu trancamento, com extensão da ordem aos corréus, em observância ao art. 580 do Código de Processo Penal. (RHC 65.851/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)