DIREITO DAS FAMÍLIAS

Validade de Acordo Judicial com Oferta de Bem de Família como Garantia de Dívida


A Lei n. 8.009/1990 protege o bem de família contra a penhora em diversas situações, garantindo o direito à moradia da entidade familiar. Contudo, a proteção conferida por essa norma não pode ser utilizada como um mecanismo para frustrar credores de boa-fé, especialmente em casos onde o próprio devedor oferece o imóvel como garantia de dívida em um acordo judicial homologado. Nesses cenários, a posterior invocação da impenhorabilidade do imóvel, prevista na Lei n. 8.009/1990, é considerada contrária aos princípios da boa-fé e da eticidade.

Fundamento jurídico

Os princípios da boa-fé objetiva e da eticidade são pilares do ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em situações que envolvem obrigações contratuais e processuais. Quando o devedor, de forma voluntária, oferece o bem de família como garantia em um acordo judicial, essa conduta gera legítima expectativa no credor de que o imóvel será utilizado para satisfazer a obrigação. A tentativa posterior de afastar essa garantia, alegando impenhorabilidade, configura um comportamento contraditório, vedado pelo princípio do venire contra factum proprium.

O venire contra factum proprium, amplamente aplicado na jurisprudência, impede que uma parte adote posturas que se contradigam no curso de uma relação jurídica, causando prejuízo à outra parte.

Exemplo prático

Imagine que João, durante uma audiência judicial, oferece sua casa como garantia para o pagamento de uma dívida, e o acordo é homologado pelo juiz. Posteriormente, ao ser iniciada a execução do acordo, João alega que o imóvel é bem de família e, portanto, impenhorável. Nesse caso, sua conduta seria considerada incompatível com a boa-fé, já que ele próprio ofereceu o bem como garantia, reconhecendo, implicitamente, que este poderia ser utilizado para quitação da dívida.

Jurisprudência e entendimento dos tribunais

Os tribunais brasileiros têm reiteradamente decidido que, em situações como a descrita, a impenhorabilidade do bem de família pode ser afastada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou o entendimento de que acordos judiciais formalizados nos quais o devedor oferece o bem como garantia devem ser respeitados, sob pena de ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da segurança jurídica.

Essas decisões refletem a necessidade de equilibrar a proteção ao bem de família com os interesses legítimos dos credores, garantindo que o devedor não abuse da proteção legal em detrimento do cumprimento de obrigações assumidas voluntariamente.

Conclusão

A proteção conferida pelo bem de família, embora essencial para garantir a dignidade da entidade familiar, não pode ser usada como escudo para práticas que violem a boa-fé e a eticidade. A oferta voluntária do bem como garantia em acordo judicial homologado constitui um compromisso que deve ser honrado, sob pena de enfraquecer a confiança nas relações jurídicas e processuais. Assim, a posterior alegação de impenhorabilidade, nesses casos, é inválida e contrária aos princípios fundamentais do direito.


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